segunda-feira, 15 de março de 2010

Cardiologia diabetológica por Dr. Pimazoni

CARDIOLOGIA DIABETOLÓGICA E PREVENÇÃO DO DIABETES: NOVOS ESTUDOS CONTESTAM CONCEITOS TRADICIONAIS

Dr. Augusto Pimazoni Netto

Coordenador dos Grupos de Educação e Controle do Diabetes do
Hospital do Rim e Hipertensão da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP e do

Centro de Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

A edição Online First do New England Journal Medicine (NEJM) de hoje, 14 de março de 2010, nos traz os resultados de dois grandes estudos (ACCORD e NAVIGATOR), cujos resultados contestam conceitos tradicionais nas áreas de cardiologia diabetológica e prevenção do diabetes.

Resultados preliminares do estudo ACCORD mostraram que uma estratégia muito intensificada de controle glicêmico aumentou o risco de morte em pacientes diabéticos, muito embora essa conclusão tenha sido recentemente contestada por uma metanálise publicada no Lancet [1]. Agora, a publicação do NEJM traz os resultados do braço do estudo ACCORD que avaliou o impacto do controle intensivo da pressão arterial [2], bem como a eficácia da terapia de combinação para o controle de lípides no paciente diabético [3].

Até agora, não havia evidência de estudos randomizados para se adotar metas abaixo de 135 a 140 mmHg para a pressão sistólica em portadores de diabetes tipo 2 (DM-2), muito embora a meta de 120 mmHg já estivesse sendo adotada há algum tempo pelas sociedades médicas. O braço do estudo ACCORD que tentou comprovar a validade dessa recomendação investigou se uma meta de pressão sistólica menor que 120 mmHg conseguiria efetivamente reduzir a incidência de eventos cardiovasculares em pacientes com DM-2 de maior risco. O resultado foi decepcionante: em pacientes com DM-2 e com alto risco para eventos cardiovasculares, a utilização da meta de 120 mmHg para a pressão sistólica não reduziu as taxas de desfecho composto para os principais eventos cardiovasculares fatais e não fatais [2].

Outro braço do estudo ACCORD avaliou se os efeitos da terapia de combinação com sinvastatina mais fibrato, em comparação com a monoterapia com sinvastatina, poderia reduzir o risco cardiovascular em pacientes com DM-2 já em risco aumentado para essas complicações. Mais uma vez os resultados foram decepcionantes: a combinação de fenofibrato mais sinvastatina não reduziu a taxa de eventos cardiovasculares fatais, de infarto do miocárdio não fatal e de acidente vascular cerebral não fatal, em comparação à monoterapia com sinvastatina, ou seja, os resultados do estudo não suportaram o uso rotineiro da terapia de combinação com fenofibrato e sinvastatina para reduzir o risco cardiovascular na maioria dos pacientes com diabetes tipo 2 de maior risco [3].

O estudo NAVIGATOR avaliou estratégias de prevenção do DM-2 e também mostrou resultados frustrantes. Diante do conceito tradicional de que alguns fármacos poderiam promover a prevenção adequada do DM-2, um braço do estudo NAVIGATOR avaliou o potencial da nateglinida, um secretagogo de insulina de curta duração, de reduzir o risco de diabetes ou de eventos cardiovasculares em pessoas com tolerância diminuída à glicose. Os dados desse braço do estudo mostraram que o tratamento com nateglinida por cinco anos não reduziu a incidência de diabetes ou os desfechos cardiovasculares nesses pacientes [4].

Um segundo braço do estudo NAVIGATOR avaliou os efeitos da valsartana, em comparação com placebo, associados a modificações do estilo de vida em indivíduos com tolerância diminuída à glicose e com doença cardiovascular estabelecida ou com fatores de risco cardiovascular. Os resultados mostraram que, nesses pacientes, o uso da valsartana por cinco anos, em comparação ao placebo, ambos associados a modificações do estilo de vida, levou a uma redução relativa de 14% na incidência de diabetes, mas não conseguiu reduzir a taxa de eventos cardiovasculares [5].

Resumo da ópera: a cada novo estudo publicado, aumentam nossas incertezas quanto ao que se deve ou não se deve fazer na prática clínica, principalmente em função dos resultados quase que frequentemente contraditórios entre os vários estudos. E como superar as incertezas decorrentes dessas controvérsias? O acompanhamento atento da literatura internacional, aliado à experiência clínica de cada um em seus respectivos setores de atividade, talvez seja a forma mais segura de fazer frente à transitoriedade das verdades médicas.







Referências Bibliográficas:

  1. Ray, K.K. et al. Effect of intensive control of glucose on cardiovascular outcomes and death in patients with diabetes mellitus: a meta-analysis os randomised controlled trials. Lancet 2009;373:1765-72.
  2. The ACCORD Study Group. Effects of intensive blood-pressure control in type 2 diabetes mellitus. N Engl J Med 10.1056/NEJMoa1001286. Publicado online em 14 de março de 2010.
  3. The ACCORD Study Group. Effects of combination lipid therapy in type 2 diabetes mellitus. N Engl J Med 10.1056/NEJMoa1001282. Publicado online em 14 de março de 2010.
  4. The NAVIGATOR Study Group. Effect of nateglinide on the incidence of diabetes and cardiovascular events. N Engl J Med 10.1056/NEJMoa1001122. Publicado online em 14 de março de 2010.
  5. The NAVIGATOR Study Group. Effect of valsartan on the incidence of diabetes and cardiovascular events. N Engl J Med 10.1056/NEJMoa1001121. Publicado online em 14 de março de 2010.

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